Mas será que isso é bom? Sempre ser muito fiel ao original? São mídias diferentes. Ás vezes o que funciona no livro não funciona no filme. Fique com a análise de alguém que não leu o último livro, apenas os dois primeiros, mas talvez isso tenha possibilitado ter um olhar mais imparcial sobre o material. E sim, HAVERÁ SPOILERS.
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Primeiramente, não é possível considerar este filme o melhor, mas sim exatamente o contrário, o pior filme de todos (Lembrando que aqui estará sendo tratado apenas dos filmes, não dos livros). Sim, inferior até ao anterior (Esperança – Parte um), pois este pelo menos foi melhor estruturado e teve melhor coerência narrativa e temática, explorando os impactos na população de todas as atitudes de manipulação da mídia, o que gerava cenas emocionantes de rebeliões e sacrifícios em prol de uma causa, não dos soldados rebeldes, mas da própria população que não estava na linha de frente da guerra (era possível observar claramente causa e consequência). Sim, a Parte Um foi chata, mas foi mais coerente e melhor estruturada, pois preparava terreno para o próximo filme. Mas poderia sim ser muito melhor, mais tarde este ponto será tratado. Dizem que a ação do último filme o fez ser melhor que o anterior, mas o anterior, mesmo sem ação conseguiu ter mais conteúdo.
Primeiro apontemos o que o filme tem de bom. Com certeza em aspectos técnicos, como direção, fotografia, atuação, efeitos, não há do que reclamar. Jennifer Lawrence está muito bem. A reviravolta no final, com a decisão da Katniss de deixar de lado seu objetivo de matar o presidente Snow e tomar aquela atitude ousada logo em seguida foi com certeza a melhor parte do filme. Uma boa ideia, mas e execução das circunstâncias do resto do filme até chegar ali não foi igualmente boa.
Sim, o principal defeito e erro foi terem dividido o livro em duas partes. Foi totalmente desnecessário. Ambos os filmes pareceram incompletos e carentes de uma estrutura melhor. Não li o terceiro livro, mas ouvi tanto opiniões positivas quanto negativas de conhecidos que leram, então não vou dizer que no livro deve ter ficado melhor ou pior. Antes que os fãs venham dizer que se ficou mal estruturado é porque dividiram em dois e no livro é perfeito porque é uma obra única, digo que isso não é desculpa. Peter Jackson pelo menos tentou compensar essa falta de conteúdo em O Hobbit (no primeiro até funcionou, mas nos demais não tanto).
Bom, então onde estou querendo chegar? Que mesmo que tenham dividido em dois era possível fazer dois bons filmes com começo, meio e fim. Simplesmente não seguindo à risca a obra original. Como foi falado, não é só porque funciona no livro que funciona no filme. Mídias diferentes pedem medidas diferentes. Sim, a intenção foi dizer que deveriam ter mudado o material original e acrescentado novos elementos, explorados mais situações, etc. Se no livro ficou bom, não importa, o que importa é o filme ficar bom, pois não é somente aos fãs que ele deve agradar, por isso existe adaptação. A decisão de dividir foi errada, mas do momento que fizeram isso, tinham a obrigação de entregar dois bons filmes. Peter Jackson errou não na tentativa, mas na execução com O Hobbit.
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O que afinal tem de errado no filme? Voltarei a falar da estrutura torta dele. Não há começo meio e fim. Ele tem um começo lento, demora pra engrenar. E quando parece que engrenou, ele acaba. No livro as armadilhas na cidade deve ter sido o clímax, mas como no filme elas aparecem na primeira metade do filme, eram apenas a preparação para algo maior. Num roteiro deve haver uma crescente, com os desafios e problemas crescendo e se intensificando, até chegar ao ápice. Estruturalmente, o ápice que foi construído e deveria ter sido era a batalha na mansão de Snow, prometida desde o começo do filme, mas na hora que o clímax vai começar, o filme pula direto para o epílogo. A cena de Katniss disparando a flecha em Coin é curta demais para sustentar o clímax do filme inteiro. Deveriam haver uma “batalha final” sim, porque do jeito que fizeram ficou anticlimático. Até Crepúsculo se tocou disso (sim, Crepúsculo fez algo melhor que Jogos Vorazes. Se você não parou de ler aqui, parabéns, você não é um fanboy/fangirl intolerante) e presenteou o público com um combate final, pois o roteiro preparou o terreno o tempo inteiro para aquilo. No livro a Stephenie Meyer pula o confronto e resolve de maneira simples. O roteiro pedia algo, nem que fosse uma breve briga. E não adianta dizer que “crepúsculo não é um livro de ação, o foco é outro”, porque o roteiro construiu o terreno todo para isso. Não entregar pelo menos uma breve cena de ação foi um erro.
O mesmo acontece com A Esperança: O Final. Fica uma sensação de vazio e que tudo foi resolvido fácil. Não estou dizendo que Katniss deveria ter matado Snow. Pelo contrário, citei acima que a reviravolta no final e a morte de Coin foram ótimas ideias. Mas deveria haver um confronto, nem que breve antes de chegar ali. Mais para frente serão apresentadas ideias de como poderia ser.
Outro defeito são os personagens secundários mal explorados. Desculpe as fãs do Peeta, mas ele não faz NADA o filme inteiro. Nada de relevante. Atrapalhou um pouco e pronto. Katniss continuaria sua jornada de matar Snow mesmo sem ele ali. O foco todo fica no triângulo amoroso Katniss-Peeta-Gale (que pela primeira vez não serviu pra nada, diferente dos filmes anteriores), deixando quase nenhum tempo de cena para que os demais sejam trabalhados, tirando o peso que deveria ter a morte de alguns deles. E não, o casamento do Finnick não é trabalhar bem o personagem. Mesmo no próprio casamento ele não tem foco.
Até o Snow foi mal explorado. Enquanto nos primeiros filmes a presença dele é forte, aqui ele quase não aparece.
O final dado à Katniss também foi um defeito. Passar uma imagem frágil dela depois de tudo que houve não respeitou a personagem que vinha sido apresentada. Sim, eu sei que tudo o que a Katniss queria era apenas uma vida feliz com a família, mas havia outras maneiras de representar isso. Em vez de passar a impressão de uma dona de casa conformada por que não mostrar ela ensinando os filhos a usar arco e flecha assim como o pai fez com ela? Seria mais significativo e condizente.
“Mas esse filme é bom porque tem muita ação”. Leitores, essa é a lógica do povo que causa aquela bilheteria colossal nos filmes de transformers.
“Ah, mas o filme e o livro se complementam, os defeitos que você citou são porque você só viu o filme, você deveria ler o livro para ver a obra completa”. Não, não é desculpa. Desta maneira é possível afirmar que você não pode desgostar de Justin Bieber sem ouvir todas as músicas de todos os álbuns e assistir o filme dele completo. Ou que você não pode julgar Star Wars sem assistir todos os filmes, as séries animadas, ler todos os livros, os quadrinhos e jogar os games.
Agora enfim passando para o título desta postagem: Como Jogos Vorazes: A Esperança - O Final poderia ter sido.
Já que citei que o defeito geral do filme foi a falta de criatividade e ousadia de mudar e criar cenas para melhorar a experiência da obra, fiquei pensando em alguma alternativa para apresentar e mostrar que ambas as partes poderiam ser melhor estruturadas e funcionar melhor de forma independente. Cheguei a uma possibilidade (pode haver vários outros jeitos, não estou dizendo que deveria ter sido assim, mas que PODERIA. Há outros caminhos).
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O principal problema de ambas as partes é o clímax. Na parte 1 foi um pouco menos ruim, mas faltou mais ação no final, algo mais forte, mas de igual impacto em Katniss. A possibilidade que imaginei que poderia melhorar isto seria tomar um outro rumo naquela operação do final para resgatar Peeta. Quando a equipe de Gale chegasse, poderiam encontrar um Peeta mudado e perturbado, assim como na ideia original, mas Peeta poderia ter sido modificado não somente mentalmente, mas fisicamente. A Capital poderia ter feito experiências nele para deixa-lo mais forte, criar um soldado que representasse a Capital. A imagem de Peeta é relevante para a guerra, por isso a estavam usando durante o filme todo nas transmissões. Poderiam transformar o Peeta para a Capital ao equivalente que a Katniss é para os distritos.
Ao encontrar este Peeta transtornado e modificado, Gale e o resto do esquadrão tentariam trazê-lo de volta, mas ele começa a ataca-los e ocorreria um combate. Aí teríamos a cena de ação relevante do final. Neste combate, Peeta venceria cada um do esquadrão e enfrentaria inclusive Gale. Com Katniss presenciando tudo pela transmissão da TV. Então, no auge da luta, Peeta encurralaria Gale e o mataria. Então Peeta poderia virar para a câmera e dizer que Katniss seria a próxima. Isto seria condizente com a frase de Snow: “as coisas que mais amamos são as que nos destrói”.
E acabaria aí a primeira parte. Seria mais marcante e impactante, e sem dúvida mais corajoso. Deixaria Katniss com um tremendo conflito interno, ao ver o que Peeta se tornou e o fato de ele ter matado Gale. Causaria a mesma decisão e determinação dela de querer acabar com Snow.
Podem dizer que isso acabaria com o triângulo amoroso. Mas aí fica a pergunta: na trama cheia de assuntos polêmicos, crítica política e social, o triângulo amoroso era o mais importante? É isso que fazia a trama se mover? O mais importante da história era a dúvida de quem vai ficar com quem? E o Gale era tão indispensável assim para o resto da história? A única coisa relevante para que ele serve depois é ter parte da culpa na morte da Prim. Mas isso poderia ser apresentado de outra forma. No fim das contas, Katniss não escolheu, as circunstâncias tiraram Gale do caminho e ela ficou com Peeta. Gale era descartável nesta segunda parte.
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E falando na parte dois, tratemos dela. Ela transcorreria de forma quase idêntica até a parte que invadem a Capital para chegar à mansão de Snow. Algo que faltou muito neste filme e que até então havia sido a base de Jogos vorazes foi: manipulação da mídia, opressão e interesses políticos. Neste filme quase não tivemos isso. Nos demais víamos causa e consequência. As decisões das pessoas importantes (seja Snow, os programadores dos jogos ou Katniss), o plano sendo colocado em prática e as consequências disso na população.
Neste filme temos os planos de usos da mídia e... só. Cadê as consequências? Os impactos disso na população? Aliás, cadê a população? Ela não foi mostrada em momento algum até a evacuação. Antes disso a cidade parecia totalmente deserta. Foi um susto perceber que havia pessoas ali, pois o filme inteiro mostrou o contrário. Essas consequências era um dos pontos altos nos filmes anteriores.
Antes da invasão é dito que o grupo de Katniss não estará na linha de frente da guerra, eles iriam atrás dos grupos que foram primeiro. Aqui se perdeu uma chance de dar mais dinamismo e conferir maiores proporções à guerra. Pois o tempo todos vemos APENAS o pequeno grupo de Katniss, enquanto poderia ter sido mostrado os outros grupos da frente avançando, deixando o espectador vivenciar a guerra, mostrar alguns soldados caindo em mais armadilhas espalhadas pela cidade.
Enquanto Katniss e seu grupo avançam, o próprio Peeta poderia aparecer alguma vez junto com os pacificadores para mata-la, com Katniss tentando trazê-lo de volta com palavras sem sucesso. E, claro, com ela e seu grupo conseguindo escapar.
Na parte da evacuação, Katniss poderia conseguir chegar à mansão de Snow enquanto o resto dos rebeldes são barrados na entrada na luta contra os pacificadores. Lá dentro, Peeta surge e luta contra ela, impedindo que ela chegue até Snow e mate-o. Este seria o clímax. Peeta e Katniss se enfrentando enquanto ela tenta matar Snow e trazer o amigo/ interesse amoroso de volta. Seria uma momento de muito peso, significado, relevância e catártico.
Os possíveis desfechos seriam ela: a) matando Peeta depois de ver que não tem jeito; b) conseguir deixar Peeta inconsciente para tentar trazê-lo de volta com calma depois que tudo estiver resolvido; c) Peeta, num acesso de lucidez decidir se matar para não causar mal a Katniss e se redimir por ter matado Gale.
Após alguma dessas situações, o bombardeio planejado por Coin viria e o desfecho todo do resto do filme seria o mesmo. Exceto a parte que já citei de Katniss com os filhos.
E assim se encerra este longo texto. Novamente ressalto que PODERIA ser assim, além de outras formas que tornassem a experiência dos filmes mais completa e menos vazia. Não são apenas os fãs que devem ser agradados com a adaptação, mas o público em geral, então deixem dessa ideia de que todo filme tem que ser extremamente fiel ao livro.
A Saga Jogos Vorazes no cinema começou muito bem, mas se perdeu ao deixar de lado os elementos que a fez se destacar no meio de tantas séries de filmes juvenis da atualidade.